domingo, 17 de maio de 2009

Devotos Flores Com Espinhos Para o Rei - Entrevista


Flores Com Espinhos Para o Rei, o novo CD do Devotos, é um livro em 15 capítulos sobre as crenças de um povo. Ali almas dançam e terras se movem. Tudo faz sentido para o espírito guerreiro e para quem protege. A luta é pacifista e a canção é para mudar. Também há a guerra, mas é a guerra daqueles que plantam flores e salvam vidas. Por Allan Borges



Flores... tem participações de Lirinha (Cordel do Fogo Encantado) e Adilson Ronrona (Matalanamão), produção e direção da própria Devotos, mais ilustrações e projeto gráfico do guitarrista.
Entrevista
DEVOTOS
“Canta tua aldeia que cantarás o mundo”
Perguntas Allan Borges
Respostas Cannibal
O disco novo se chama "Flores com espinhos para o rei" (que é um trecho da música "Terras se Moveram"), mas qual o significado/importância deste nome para vocês?
As flores são um símbolo para os que lutam pelos direitos constitucionais. O rei, todas as pessoas que deturpam esses direitos. Os espinhos são as armas para ferir os que ferem a constituição.
O Devotos está na estrada há mais de dez anos. Vocês são uma das bandas mais antigas do Nordeste e contribuíram bastante para o desenvolvimento da cena local. Como é entrar e sair ano, continuar envolvido com toda essa comunidade e saber que é algo que você ajuda a construir e que não pára de crescer?
Devotos foi feita para reivindicar nossos direitos através da música, mudamos um quadro social. Hoje o Alto José do Pinho é muito mais conhecido pala cultura que rola aqui, do que pela violência que rolava em outras épocas. Estamos mais envolvidos com ações sociais como rádio comunitária, eventos que trazem para dentro da comunidade cultura, lazer e cidadania, intercâmbio com outras ONGs tipo Fase, Boca Do Lixo, Bagulhadores Do Miô, D.A,D., e algumas faculdades como Federal, Católica e AESO. É por isso que ela não para de crescer, porque tratamos a música como fonte de inspiração para as ações dentro da comunidade.
Da formação original quem continua desde o início? Quem está na banda hoje?
Quando formei a banda em 1988, chamei o Anselmo para tocar guitarra, o Cello para tocar bateria e Altamir para cantar ou gritar (risos). Depois de alguns meses o Altamir saiu e, como eu fazia todas as letras, fiquei cantando até arrumar outro vocalista, com o tempo fui me acostumando e no primeiro show eu cantei todas as seis músicas. Logo depois saíram o Celo e o Anselmo, um mês depois chamei o Noriuki e o Akio ambos tocavam na primeira banda punk de Recife, o SS-20. Com a ida dos dois para o Japão fiquei mais ou menos seis meses sem tocar, depois resolvi formar a Devotos novamente, então convidei novamente o Celo, que tocava em uma banda chamada Egoesmo, e chamei o Neilton, que tocava na banda Túmulo. E desde o final de 1988, estamos com esta mesma formação: Neilton na guitarra, Celo na bateria e Cannibal no baixo e voz ou grito (risos).
Vocês possuem um estúdio próprio, onde o CD novo foi gravado. Quem cuida das gravações que acontecem ali e como é ter autonomia plena para produzir seu próprio disco, sem exigências de outros e sem pressão de tempo?
Foi a melhor coisa que nós fizemos, investir em equipamentos para gravação. Sempre tivemos uma preocupação em investir na banda, sabíamos que não teríamos uma gravadora para sempre já que a tecnologia estava avançando muito rapidamente e muita coisa no meio musical iria mudar, principalmente os fonogramas. Ter um trabalho lançado periodicamente é muito importante para uma banda que não vive na mídia como a Devotos. Hoje temos nosso equipamento de gravação e ainda estamos investindo na banda.
Quem toma conta dos projetos gráficos e das gravações é o Neilton, ele é muito dedicado ao que faz, está sempre procurando se aperfeiçoar, por isso seus trabalhos são tão bons e profissionais. É muito bom você gravar sem se preocupar com a hora que vai entrar e sair do estúdio. Nós gravamos quando estamos concentrados para fazer, não há aquela pressão de fazer tantas músicas por período. Tem dias que fazemos três e dias que só sai uma mesmo, e ainda tem dias que não sai nenhuma, mas a autonomia nos permite fazer no clima e na hora certa, sem relaxar, é lógico. Não é porque você tem os equipamentos para gravação que vai passar um ano gravando.
E por que lançar o próprio CD de maneira independente? Chegaram a fazer contato com algum selo? Como fica a parte de distribuição?
Fizemos um contato com o Rafa (Deck), ele é muito fã da Devotos e nós admiramos muito seu trabalho como produtor, ele tem um senso muito bom para timbres, e o mais legal é que ele gosta muito de punk rock. É como todos nós da Devotos, ele também tem a mente muito aberta para outros estilos, isso para nós é fundamental em um produtor. Mas infelizmente não deu certo. As gravadoras têm cada vez menos artistas e uma coisa que sempre pensei, a indústria fonográfica, os meios de comunicação aqui no Brasil, nunca tiveram uma política de divulgação e difusão de bandas como a Devotos, que não se preocupam só com o som, mas também com suas letras. Com exceção da internet que está sendo a salvação (risos). O nosso novo CD está sendo distribuído pela Tratore www.tratore.com.br Se você entrar no site e procurar por DEVOTOS, ele informa todas as lojas que vendem no Brasil e o telefone das lojas, isso é muito massa!
Quais são os lançamentos da banda depois de reduzir o nome para apenas Devotos?
Devotos, Hora da Batalha; Sobras da Batalha (desse disponibilizamos na internet 5 músicas que sobraram do Hora da Batalha - você baixava as músicas e a capinha com as letras pelo nosso site); e o derradeiro Flores com Espinhos para o Rei.
Quais as dificuldades para uma banda de Recife conseguir se estruturar diante de uma cena cujo eixo principal está mais concentrado na região Sudeste?
É o mesmo que matar um leão todos os dias (risos). É foda porque sabemos que tem uma cena muito forte em outros estados e que ao mesmo tempo fica muito difícil você depender dela morando no eixo, entende? A cena é forte mas não é rentável a ponto de você poder pagar todas as suas despesas. No caso da Devotos, como financeiramente ainda não podemos ter um lugar fixo no eixo, armamos um circuito de show e ao término voltamos para o nosso ninho (risos). Ter o reconhecimento da mídia e das pessoas em Recife. Não gira só em torno da música que fazemos, temos um trabalho social muito forte aqui na comunidade que já serve de exemplo para outras há muito tempo. Acho que esse é o nosso maior cordão umbilical em relação ao eixo, entende?
Além da Devotos, vocês possuem outras bandas? Quais são os outros projetos em que estão envolvidos?
Eu e o Celo tocamos em duas outras bandas, uma de reggae chamada Nanica Papaya (nessa eu toco contrabaixo, Celo bateria, Noga percussão, Chacom guitarra e o André Darck, voz). A outra banda é a B.U www.myspace.com/oficibu . O som é pop. Na B.U eu toco bateria, Bá guitarra, Luciano contrabaixo e o Celo voz e composição. As duas bandas têm mais de oito anos.
O CD traz uma letra sobre rádios comunitárias ("Rádio comunitária para informar"). Quais as maiores dificuldades para conseguir concretizar um projeto desses?
Fazemos parte de uma ONG chamada Alto Falante. No site da Devotos tem alguns trabalhos feitos, depois vocês podem entrar e dar opiniões: www.devotos.com.br . Sobre a dificuldade de montar uma rádio comunitária, você já esbarra na dificuldade de ter uma concessão, isso é praticamente impossível porque a maioria das concessões está nas mãos dos políticos e das igrejas, eles monopolizam as concessões das rádios comunitárias e ainda ferem todo o estatuto. Sabemos que a proposta de uma rádio comunitária é para informar a população sobre todos os seus direitos, e a maioria das rádios comunitárias só fazem comerciais e só tocam música de baixa qualidade e nunca informam à população os seus direitos.
Quando você enfrenta a ANATEL, mesmo sem a concessão você coloca um transmissor na sua rádio, em pouco tempo vem a ANATEL junto com a Polícia Federal e apreende todo seu equipamento, inclusive o transmissor, e não devolvem, sem falar que isso tudo acontece na maior brutalidade. Para vocês entenderem melhor o que eu quero explicar, se tiverem oportunidade assistam um filme chamado Uma Onda no Ar. Esse filme é o verdadeiro estatuto de rádio comunitária.
Mas já que não temos concessão, não queremos levar pau da policia, temos muita vontade de nos expressar através de uma rádio, o que nós fizemos? Rádio comunitária de caixinhas nos postes da comunidade. Esse trabalho está sendo muito positivo, a maioria dos radialistas aprendeu com o cotidiano. É muito bom porque cria uma identificação muito grande com a comunidade que escuta o cara falando com a sua linguagem e não como o locutor de FM, todos iguais só muda o nome, e o legal de tudo isso é que já têm locutores dando oficinas de rádio comunitárias, e estamos espalhando nossas experiências em outras comunidades de Recife, como Ilha de Deus, que já foi chamada de Ilha sem Deus, e a comunidade do Pilar. Muitas bandas no Brasil têm trabalhos de conscientização através da música. Vocês acham que os políticos e empresários gostariam que bandas que informam a população dos seus direitos façam sucesso aqui no Brasil? Na minha opinião isso é muito improvável.
A letra de "Espírito guerreiro" carrega um tom meio pessimista, chega a dizer "É o ódio que me traz justiça (...) o social nunca me fez feliz". Quem a escreveu e o que levou a escrever algo assim?
Todas as letras da Devotos têm muita coisa do cotidiano e pessoais. Há alguns anos nós fomos enganados por uma ONG aqui de Recife, que subia o Alto com proposta de ajudar, mas todos os recursos adquiridos com a nossa ajuda nunca foram trabalhados aqui na comunidade. Isso nos fez ter, juridicamente, junto com outras bandas aqui da comunidade, uma ONG. Quando descobrimos que não iríamos ter nenhum trabalho aqui na comunidade ficamos muito indignados. Naquele momento nós não sabíamos em quem confiar e vimos que tudo aquilo que foi feito para aquela ONG nunca nos fez feliz, entende? E o ódio que me traz justiça é você perder uma amizade, mas nunca mudar seu caráter.
Planos para o futuro, recados para quem quiser.
As coisas para uma banda independente não são fáceis, temos 18 anos de banda mas muita coisa ainda para conquistar: a primeira turnê internacional, fazer um DVD, estar sempre tocando pelo Brasil. É a segunda vez que falo isso: a Devotos é uma banda que usa a música para realizar suas ações sociais, por isso temos os pés no chão e sabemos que ainda faltam muitas coisas (risos). Saúde e muita força para todos, espero nos vermos em breve!
Sitewww.devotos.com.br
Myspace:www.myspace.com/oficialdevotos
Telefone show:(81) 3224-6966 ou 9994-9542
Cannibal (baixo e voz)Celo Brown (bateria)Neilton (guitarra)
Mini bio
Devotos - Um olhar Hardcore sobre a vida de Recife
A banda surgiu em 1988 com o nome Devotos do Ódio, tirado do título de um livro de José Louzeiro (novelista, jornalista e roteirista cujo livro Infância dos Mortos foi transformado no filme Pixote, de Hector Babenco).
O grupo teve e ainda tem sua base no bairro de baixa renda nos morros de Recife, chamado Alto José do Pinho. No ano de 2000 o grupo mudou seu nome para Devotos.
Quando a MTV começou a transmitir no Recife, e o sinal podia ser recebido claramente no Alto José do Pinho, os futuros membros dos Devotos já escutavam punk rock e bandas como Smiths e Cure além de punk de São Paulo. Conheciam os gêneros tradicionais que bandas como Chico Science e Nação Zumbi logo incorporariam aos seus sons, mas estavam interessados em tocar hardcore.
Os membros do Devotos abraçaram a ética do "faça você mesmo". O guitarrista Neilton fabricou ele mesmo seu primeiro amplificador e guitarra (incluindo o braço e o corpo da guitarra), e tocou por um longo tempo sem que ninguém percebesse que não tinha sido comprada numa loja de música. A criatividade de Neilton estende-se à arte da capa dos CDs da banda e ao design de seu web site.
A banda fabrica os próprios cases para seus instrumentos e os gabinetes dos seus amplificadores, e compram somente o que não podem fazer eles mesmos. Neilton foi capaz de comprar guitarras Fender e Gibson Les Paul e amplificadores Marshall uma vez que a banda se tornou conhecida mas ele ainda sentia a necessidade de brincar com as percepções das pessoas sobre as marcas. Comprou uma guitarra elétrica barata e removeu tudo, incluindo os trastes, chamou-a de "Robson" e começou a usá-la nos shows. Logo as pessoas estavam admirando seu som e perguntando onde podiam comprar uma.
Entre os obstáculos que a banda enfrentou nos seus primeiros anos se encontravam a polícia, a repressão e a não aprovação dos moradores do seu bairro pela escolha de seu estilo musical.
O bairro Alto José do Pinho era o lar de "caboclinhos" e "grupos de maracatu" que eram importantes no carnaval. A imagem mediática das bandas de rock remetia à juventude de classe média. Quando os Devotos começaram a ter cobertura da imprensa isto se deveu em parte à desconexa percepção de ver um grupo de jovens de classe baixa fazendo hardcore-punkrock
Com o tempo a relação da banda com a comunidade melhorou, já que demonstrou seu compromisso com a mesma atraindo abundante atenção da imprensa para muitas outras bandas dali e ao impulsionar a fundação de uma Organização Não Governamental (ONG) chamada Alto Falante (um trocadilho com o nome do bairro), que realiza projetos culturais e sociais.
A banda lançou quatro CDs: Agora tá Valendo (BMG 1998), Devotos (Rockit!, 2000), Hora da Batalha (independente, 2003) e Flores Com Espinhos Para o Rei (independente, 2006).
(Obra Citada - Teles, José. 2000. Do Frevo ao Manguebeat. São Paulo: Editora 34. Biografia escrita por John Murphy extraido do livro Music in Brazil, editora Oxford – USA)

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